sexta-feira, 20 de junho de 2014

Juramento Hipócrita




Originalmente publicado no Jornal “O Diário”, Edição nº 1.751, em 15/08/2013.

Uma das funções dos profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, é assistir as pessoas doentes e que precisem de cuidados médicos. Isso é simples, certo?
Só tem um problema: o verbo assistir tem vários significados. Assistir no sentido de ver, presenciar (vg.: eu assisti ao filme); pode ser caber, competir (vg.: ao autor assiste o direito) e também ajudar, acompanhar. Depois das notícias que surgiram na última semana, acho que se esqueceram de avisar que o assistir da área da saúde era o assistir de ajudar, não o de presenciar, de ser um mero espectador nessa platéia dos horrores.
Pelo menos é o que parece quando vemos uma menina de 16 anos, grávida, que deu à luz ao filho nas escadas de uma maternidade em São Luis do Maranhão, sob os olhares atentos de funcionários da maternidade, que assistiram (só no sentido de ver, infelizmente) imóveis e apáticos à tudo.
Enquanto isso, apenas 938 médicos formados no Brasil se inscreveram no Programa Mais Médicos. Isso atende cerca 6% apenas da demanda de médicos no país. Comodoro foi uma das cidades premiadas, vai receber 2 médicos, mais do que qualquer outro município mato-grossense.
Mas enquanto esses dois profissionais não chegam, a população sofre. E não estou falando de São Luis do Maranhão. Domingo passado, uma mãe levou um filho com quase 40 graus de febre ao nosso hospital e saiu de lá, duas horas mais tarde, sem que a criança tenha sido atendida, ou assistida, por um médico.
Com tudo isso acontecendo, os Conselhos de Medicina e órgãos médicos em geral e mesmo a classe, criticam abertamente o Programa Mais Médicos, dizendo que brasileiros que vão para a Bolívia para cursar medicina não tem formação suficiente para trabalhar no Brasil. Só que duas coisinhas destroem esse raciocínio. Primeiro, apenas 194 dos 715 profissionais formados no exterior que se inscreveram no Mais Médicos são brasileiros formados fora do país. Os outros 521 inscritos são estrangeiros que se formaram no seu país e tem a intenção de ajudar o país.
Segundo, considerando a qualidade de algumas Universidades brasileiras, se todos os profissionais formados no país fossem submetidos a um exame nos moldes do Revalida, muito poucos seriam aprovados, à exemplo do que acontece com o Exame da OAB.
Claro que não podemos achar que simplesmente contratar mais médicos vai resolver a situação. É importante que aja estrutura para trabalho, equipamentos, medicamentos. E, mais importante ainda, somente a contratação de mais médicos não resolve o problema; são necessários também os demais profissionais da saúde, como enfermeiros, técnicos de enfermagem, farmacêuticos, etc.
Mas, como dizia meu finado avô, mais vale um pássaro na mão do que dois voando. Ou seja, enquanto usufruímos de mais médicos, brigamos pelas outras coisas. Agora, o que não podemos aceitar é que os médicos, por interesse financeiro e por status, prefiram cobrar pequenas fortunas para assistir (no sentido de ajudar) apenas os mais afortunados, enquanto nossa população mais carente assiste (apenas no sentido de ver) a tudo impassível.
No final, se não tomarmos alguma atitude, partos em escadarias e crianças voltando para casa sem atendimento deixará de nos indignar para ser apenas mais um fato corriqueiro do dia a dia. Vai acabar sendo mais útil procurar parteiras e curandeiros do que ir num hospital. Sei não, mas acho que não era bem isso que Hipócrates tinha em mente quando idealizou o juramento feito por médicos ao se formarem.

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