segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Amigos Públicos

(Publicado originalmente no jornal Folha do Estado de 14/08/2009)

Inimigos Públicos chama a atenção antes de mais nada por causa do elenco. Johnny Depp, Christian Bale e Marion Cotillard juntos são uma promessa e tanto.

O problema é a história. Baseada na vida do gângster John Dillinger, que existiu de verdade, mas que não tem o mesmo apelo de outros grandes vilões da história criminosa americana. Apesar disso, o roteiro é bem escrito.

Centrado essencialmente na personalidade e na vida de Dillinger, o filme mostra mais do que crimes, violência e assaltos à bancos. Na pele do típico bandido bonzinho, Depp demonstra novamente uma habilidade impar para interpretar personagens complexos.

Mesmo com uma história aparentemente fraca, o diretor Michael Mann faz um grande filme, não só pela magnífica atuação de Depp e companhia, mas também pela produção caprichada e bem elaborada. As cenas de tiroteio e de perseguição automobilísticas são de um realismo impressionante.

Maestralmente, Mann conseguiu unir ação e drama num mesmo longa. Alternando ações de intensa movimentação como de assaltos à bancos com cenas mais sentimentais, tais como a cena do jantar ao som de blues ou jazz em que Dillinger conhece Billie, a personagem de Marion Cotillard, o diretor faz do filme algo sui generis difícil de classificar. Dramático demais para um filme de ação e movimentado demais para um drama. Talvez por isso mesmo, um filme maravilhoso, sem o maniqueísmo que vem imperando no cinema americano desde 11 de setembro.

Apesar de ter um papel coadjuvante, Bale se mostra maturidade e sagacidade na telona, ao interpretar o investigador Melvin Purvis, do FBI (apesar do termo não ser citado uma única vez no filme todo). Mostrado como um Maquiavel da Policia americana, sempre sério, para quem os fins justificariam os meios, Bale não perde a linha nem banaliza a violência, deixando claro apenas pela interpretação que não concorda, conquanto aceita, os métodos que ele mesmo emprega, mas sem se corromper nem deixar que isso saia dos limites.

Marion Cottilard também demonstra uma desenvoltura maravilhosa, provando (se é que isso ainda era necessário) que “Piaf” não foi um acaso ou um golpe de sorte. De fato, AM determinados momentos, ela se sobressai à Depp, demonstrando que não se assusta com nomes consagrados ou com super-produções. De personalidade forte, Billie é o “amor da vida” de Dilliger e por isso mesmo a razão de muitas de suas ações, algumas das quais tolas e insensatas. Alguém com menor força que a própria Billie não conseguiria interpretá-la, mas Mann com certeza não se decepcionou com Marion.

Depp, como sempre, alias, estava magnífico. Deixando de lado personagens excêntricas, como o incomum capitão Jack Sparrow de “Piratas do Caribe”, ele interpreta John Dillinger não como um ator, mas como um verdadeiro gangster. De atuação impecável, sem ter que recorrer à falas extensas ou diálogos redundantes, Depp é capaz de expressar os sentimentos da personagens com sorrisos de canto de boca e olhares enviesados. Em algumas cenas, não são precisas mais do que meia dúzia de palavras ditas, apenas as expressões faciais dos atores são suficientes.

Com um roteiro de falas exatas, sem exageros e sem excessos, com uma fotografia impecável e com um recurso bastante criativo, que é o de explorar de forma mais acentuada seus astros, deixando poucas cenas nas mãos dos coadjuvantes, para que pudesse extrair deles o melhor possível, Mann parece ter construído um filme maravilhoso. Talvez não o suficiente para se tornar um épico ou concorrer à grandes premiações, pois a historia não é lá essas coisas. Mas, com certeza, você não se decepciona quando sai da sala de cinema.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Leitores...

Texto oublicado originalmente na homepage do Sinducato dos Policiais Civis e Agentes Prisionais - SIAGESPOC - em 12/08/2009
É interessante ver algumas bobagens que saem por ai, em nossos Tribunais Superiores. Pra quem não sabe, já a algum tempo, existe um entendimento de que estrangeiros cumprindo pena no Brasil, principalmente em regiões fronteiriças (como a nossa) e, mais principalmente ainda, nos casos de crime de tráfico de drogas, cujo processo de expulsão já estivesse em andamento, não teriam direito ao benefício da progressão de regime.
Isso ia muito bem, sem nenhum solavanco, nenhum entrave. Tanto os juízes de primeira instância quanto o Tribunal de Justiça do estado entendiam isso como normal e aceitável. Mesmo nossos tribunais superiores, o STJ e o STF também se mantinham coesos com esse entendimento.
É claro que todos os advogados do mundo, como é prerrogativa de sua função e dever de sua profissão, iriam protestar contra isso, recorrendo até as últimas instâncias possíveis, tentando de todas as formas reverter esse quadro. Mas se fossem honestos com seus clientes, deveriam dizer claramente:
– Cara, não vai dar! Você não vai sair.
Fundamental é explicar o que motivou tal decisão de denegar a progressão de regime para estrangeiros é o elevado número de fugas empreendido por bolivianos. Apesar de a Lei de Execução Penal ser bastante clara ao determinar que o reeducando que cumpre pena em regime semi-aberto deve fazê-lo em colônia agrícola ou industrial, isso não ocorre, devido à uma falta de estabelecimentos dessa natureza. O que ocorre, na prática, é que o sujeito é posto em liberdade, tendo, em alguns casos, que comparecer diariamente, na porta de alguma unidade prisional para assinar um livro ponto.
No caso especifico de Cáceres, de onde emanou o pedido de progressão de regime, esse livro ponto fica na Cadeia Feminina, onde os Agentes Prisionais ficam sozinhos e desarmados, totalmente expostos à qualquer ameaça. Para quem não sabe, recentemente, numa tentativa de resgate, morreu um Policial Militar na Unidade.
Voltando ao tema em pauta, diante da total falta de estrutura do estado, fica extremamente difícil realizar um controle rígido dos reeducandos que cumprem pena no regime semi-aberto. Diante dessa situação periclitante, para evitar uma clara sensação de impunidade que vinha já acontecendo, os magistrados (muito acertadamente na minha opinião) estavam denegando os pedidos de progressão de regime para presos, se houvesse suspeita fundada de possibilidade de fuga, v.g. se o mesmo fosse natural de alguma cidade vizinha à fronteira, como San Mathias ou Santa Cruz ou se tivesse residência comprovada em pais fronteiriço.
Mas, como sempre no Brasil, sempre que algo funciona bem, tem alguém que estraga a festa. Nesse caso, nosso ilustre Ministro Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso. Não discuto o conhecimento jurídico do magistrado. Apenas que é um tanto quanto difícil pra alguém que vive encastelado em seu gabinete em Brasília saber como é o mundo de verdade....
Dessa vez, o que aconteceu foi que o Ministro, desconsiderando tudo que vinha sendo entendido até agora, e depois de praticamente já votado e decidido o pedido de Habeas Corpus, pediu vista do processo e votou a favor da concessão da progressão. Outros dois ministros, o senhor Eros Grau e o senhor Joaquim Barbosa (isso, aquele mesmo da discussão com o Gilmar Mendes) também mudaram seu voto, concedendo a liberdade.
Segundo o senhor Peluso, a negativa da progressão descumpria preceito constitucional de igualdade, ou seja, de que todos são iguais perante a lei. Bom, pra quem não sabe, não foi só pelo fato de que a reeducanda não é brasileira que foi negada seu pedido, mas por não cumprir os requisitos para a concessão do benefício.
Outra alegação do ministro é a de que, ao negar a ordem, tanto o juiz de primeira instância quanto o Tribunal justificaram a denegação da ordem em virtude da peticionária não possuir residência fixa. Entretanto, essa alegação não procede, segundo ele, porque, senão, como iríamos lidar com casos de moradores de ruas, que também não tem residência fixa?
São duas as respostas que se apresentam para esse enigma: primeiro, de acordo com o Código de Processo Penal, residência fixa é um dos requisitos para soltura, ou seja, se a pessoa não puder comprovar residência, ela não sai. Por isso, moradores de rua não tem direito à progressão se não puderem comprovar um endereço. Segundo e talvez mais importante, um morador de rua não tem residência fixa nem aqui no Brasil nem em parte alguma. Já um boliviano preso por tráfico de drogas tem moradia. Só que outro país! E é pra lá que ele vai assim que sair da cadeia, rindo da justiça brasileira.
Como um professor da faculdade me disse uma vez, ler a lei é fácil, qualquer um faz. Aplicar a lei, adequando-a ao caso concreto e avaliando as questões sócio-culturais envolvidas, isso sim é uma arte e um ofício. Já disse antes e repito, não discuto o conhecimento jurídico do ministro Peluso. Mas, definitivamente, dessa vez, ele agiu como um mero leitor de leis e não um jurista.