Texto oublicado originalmente na homepage do Sinducato dos Policiais Civis e Agentes Prisionais - SIAGESPOC - em 12/08/2009
É interessante ver algumas bobagens que saem por ai, em nossos Tribunais Superiores. Pra quem não sabe, já a algum tempo, existe um entendimento de que estrangeiros cumprindo pena no Brasil, principalmente em regiões fronteiriças (como a nossa) e, mais principalmente ainda, nos casos de crime de tráfico de drogas, cujo processo de expulsão já estivesse em andamento, não teriam direito ao benefício da progressão de regime.
Isso ia muito bem, sem nenhum solavanco, nenhum entrave. Tanto os juízes de primeira instância quanto o Tribunal de Justiça do estado entendiam isso como normal e aceitável. Mesmo nossos tribunais superiores, o STJ e o STF também se mantinham coesos com esse entendimento.
É claro que todos os advogados do mundo, como é prerrogativa de sua função e dever de sua profissão, iriam protestar contra isso, recorrendo até as últimas instâncias possíveis, tentando de todas as formas reverter esse quadro. Mas se fossem honestos com seus clientes, deveriam dizer claramente:
– Cara, não vai dar! Você não vai sair.
Fundamental é explicar o que motivou tal decisão de denegar a progressão de regime para estrangeiros é o elevado número de fugas empreendido por bolivianos. Apesar de a Lei de Execução Penal ser bastante clara ao determinar que o reeducando que cumpre pena em regime semi-aberto deve fazê-lo em colônia agrícola ou industrial, isso não ocorre, devido à uma falta de estabelecimentos dessa natureza. O que ocorre, na prática, é que o sujeito é posto em liberdade, tendo, em alguns casos, que comparecer diariamente, na porta de alguma unidade prisional para assinar um livro ponto.
No caso especifico de Cáceres, de onde emanou o pedido de progressão de regime, esse livro ponto fica na Cadeia Feminina, onde os Agentes Prisionais ficam sozinhos e desarmados, totalmente expostos à qualquer ameaça. Para quem não sabe, recentemente, numa tentativa de resgate, morreu um Policial Militar na Unidade.
Voltando ao tema em pauta, diante da total falta de estrutura do estado, fica extremamente difícil realizar um controle rígido dos reeducandos que cumprem pena no regime semi-aberto. Diante dessa situação periclitante, para evitar uma clara sensação de impunidade que vinha já acontecendo, os magistrados (muito acertadamente na minha opinião) estavam denegando os pedidos de progressão de regime para presos, se houvesse suspeita fundada de possibilidade de fuga, v.g. se o mesmo fosse natural de alguma cidade vizinha à fronteira, como San Mathias ou Santa Cruz ou se tivesse residência comprovada em pais fronteiriço.
Mas, como sempre no Brasil, sempre que algo funciona bem, tem alguém que estraga a festa. Nesse caso, nosso ilustre Ministro Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso. Não discuto o conhecimento jurídico do magistrado. Apenas que é um tanto quanto difícil pra alguém que vive encastelado em seu gabinete em Brasília saber como é o mundo de verdade....
Dessa vez, o que aconteceu foi que o Ministro, desconsiderando tudo que vinha sendo entendido até agora, e depois de praticamente já votado e decidido o pedido de Habeas Corpus, pediu vista do processo e votou a favor da concessão da progressão. Outros dois ministros, o senhor Eros Grau e o senhor Joaquim Barbosa (isso, aquele mesmo da discussão com o Gilmar Mendes) também mudaram seu voto, concedendo a liberdade.
Segundo o senhor Peluso, a negativa da progressão descumpria preceito constitucional de igualdade, ou seja, de que todos são iguais perante a lei. Bom, pra quem não sabe, não foi só pelo fato de que a reeducanda não é brasileira que foi negada seu pedido, mas por não cumprir os requisitos para a concessão do benefício.
Outra alegação do ministro é a de que, ao negar a ordem, tanto o juiz de primeira instância quanto o Tribunal justificaram a denegação da ordem em virtude da peticionária não possuir residência fixa. Entretanto, essa alegação não procede, segundo ele, porque, senão, como iríamos lidar com casos de moradores de ruas, que também não tem residência fixa?
São duas as respostas que se apresentam para esse enigma: primeiro, de acordo com o Código de Processo Penal, residência fixa é um dos requisitos para soltura, ou seja, se a pessoa não puder comprovar residência, ela não sai. Por isso, moradores de rua não tem direito à progressão se não puderem comprovar um endereço. Segundo e talvez mais importante, um morador de rua não tem residência fixa nem aqui no Brasil nem em parte alguma. Já um boliviano preso por tráfico de drogas tem moradia. Só que outro país! E é pra lá que ele vai assim que sair da cadeia, rindo da justiça brasileira.
Como um professor da faculdade me disse uma vez, ler a lei é fácil, qualquer um faz. Aplicar a lei, adequando-a ao caso concreto e avaliando as questões sócio-culturais envolvidas, isso sim é uma arte e um ofício. Já disse antes e repito, não discuto o conhecimento jurídico do ministro Peluso. Mas, definitivamente, dessa vez, ele agiu como um mero leitor de leis e não um jurista.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
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