quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Deseducação




Originalmente publicada  no Jornal "O Diário", Edição 1.748, em 09/08/2013.

Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a palavra Educação significa Ação de desenvolver as faculdades psíquicas, intelectuais e morais. Conhecimento e prática dos hábitos sociais; boas maneiras. 
Durante toda essa semana fiquei me perguntando sobre essa definição. Não porque não soubesse! Minha mãe me ensinou a ter educação desde pequeno. Mas fiquei me perguntando o que isso significa nos dias atuais. A indagação é válida quando vemos a atual situação da Educação Mato-grossense. 
Para quem não está por dentro, um breve resumo dos últimos capítulos: depois de uma paralisação no primeiro semestre que resultou apenas em muitas promessas vazias, os professores da rede estadual de ensino decidiram deflagrar greve à partir da semana que vem. Suas reivindicações? Nada mais simples (e justo, por sinal): aumento do poder de compra do salário dos profissionais (Notem, não é aumento de salário simplesmente, mas aumento do poder de compra. Isso quer dizer que tudo que os professores querem é que o salário deles possa dar uma vida digna para seus filhos), hora-atividade para os professores interinos (a hora-atividade, para quem não sabe, é uma verba que compensa, em termos, o tempo gasto pelo profissional fora da escola, preparando as aulas e corrigindo provas), a posse dos aprovados em concurso e o investimento de 35% dos impostos na educação. 
Quer dizer, tudo que os professores pedem é um salário digno, igualdade de direitos, cumprimento da lei e melhoria na qualidade das escolas dos nossos filhos. Na minha humilde opinião, nada fora do normal nem excessivo. Mas o governo do Estado mais uma vez alega não ter recursos. Não existe previsão orçamentária é a desculpa sempre citada. 
Chamo de desculpa, e das mais esfarrapadas por sinal, por que todos nós sabemos que é mentira, que o Estado tem recursos sim. Eu poderia ficar horas desfiando os gastos das obras da Copa, o quanto essas obras vão onerar o governo e toda aquela ladainha que todos estão cansados de ouvir. Em resposta, eu poderia ouvir dos políticos demagogos que as verbas são de origem diferente, que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o desvio desses recursos, que quem tá pagando tudo é a FIFA e a iniciativa privada, todas aquelas respostas prontas em que ninguém acredita. 
Mas o que mais me chamou a atenção é que, na mesma semana em que os professores decidiram pela greve, para conseguir mais recursos para a educação (que, segundo o Estado, não tem mais recurso algum), o Diário Oficial do Estado nos brinda com uma licitação de meros 7 milhões e 700 mil reais para, adivinhem, serviços de buffet! 
E o mais interessante, por incrível que pareça, não é só o valor, mas o fato, um mero detalhe, que apenas duas empresas tenham ganhado essa licitação. São 433.512 serviço de alimentação durante os próximos 12 meses e somente duas empresas conseguiram o negócio? Acho que vou abrir restaurante que dá mais lucro. 
Assim, enquanto nossos professores lutam contra falta de estrutura, superlotação de salas de aula, falta de materiais pedagógicos, um salário medíocre e comem arroz com ovo, nosso Secretário de Educação só anda de carro com ar-condicionado e come salada de marisco e salmão ao molho tártaro. 
Sei não, mas não consegui ainda perceber onde gastar 7,7 milhões de reais em serviço de buffet ajuda no desenvolvimento das faculdades psíquicas, intelectuais e morais. Talvez até me falte conhecimento, mas acho que nosso Secretário poderia melhorar sua prática dos hábitos sociais e boas maneiras com nossos professores...

sábado, 3 de agosto de 2013

Panis et Circenses

Publicada originalmente no Jornal "O Diário", Edição 1.743, em 01/08/2013.

Em 508 a.C. surgiu, na cidade grega de Atenas, o primeiro modelo de governo que incluía a participação dos cidadãos, a Democracia. Democracia quer dizer, exatamente, Governo (kratos) do Povo (demo). Pela primeira vez na história do mundo, a população tinha participação direta na tomada de decisões. E quando falo direta, era direta mesmo, sem a escolha de representantes.
Em 168 a.C., o poderoso Império Romano conquistou a Grécia Antiga, pondo fim a quase três séculos e meio de história grega. Entretanto, apesar de ter um poderio militar muito maior, os romanos gostaram da forma de governo grego e resolveram utilizá-lo. Devido, porém, à grande extensão do Império Romano, parecia impossível o uso da democracia direta, como faziam os gregos. Assim surgia a democracia representativa, ou democracia indireta, em que os cidadãos elegem representantes para tomar decisões pelo povo.
Só que junto com a democracia indireta surgiu também outros problemas, como a corrupção e a manipulação de informações. Como os cidadãos não participavam diretamente da tomada de decisões, o importante era fazer com que o povo achasse que tudo ia bem. Com isso surgiu a política do “pão e circo”, em que os governantes romanos davam comida e espetáculos para a massa, enquanto necessidades básicas, como saúde e saneamento, eram totalmente esquecidas.
Bom, me desculpem pela pequena explanação histórica, mas era necessária para explicar o que tem acontecido no Brasil de hoje, mais de dois mil anos depois dos gregos e romanos. Aparentemente, o legado romano do pão e circo continua vivo e bem na nossa atual democracia. Enquanto a mídia cobre eventos festivos, como jogos de futebol, e nosso poder legislativo vota, às pressas, medidas gritadas por manifestantes (e vândalos) nas manifestações de rua pelo país, coisas realmente importantes ficam relegadas à segundo plano.
Esta semana foram deflagradas tantas greves pelo país que, se continuarmos nesse ritmo, até o final do mês o país vai estar totalmente parado. Só para citar algumas, estão em greve os médicos, o DNIT, a Infraero e, no Mato Grosso, os Agentes Penitenciários.
Mas o que chama atenção não são as greves, mas sim a forma como os governos têm lidado com elas. Quando houve manifestações de rua, com cobertura internacional e ameaças de cancelamento da visita do Papa e da realização da Copa do Mundo, o governo foi solícito: abaixou as passagens de ônibus, criou o programa Mais Médicos (que, apesar de algumas falhas, eu ainda apoio), e antecipou votações de leis que foram tema das manifestações.
Agora, quando os órgãos tentam buscar seus direitos, são tratados como marginais, com greves sendo reconhecidas como ilegais e até mesmo com ameaças de prisão, como no caso dos Agentes Penitenciários.
Não que eu concorde com todos os movimentos grevistas, mas mesmo assim, concordo com o direito de greve, com o direito de todo servidor pleitear uma melhoria na qualidade de trabalho e vida. Mas a questão é que, como essas manifestações são menos midiáticas e terão um impacto bem menor nas urnas ano que vem, qual a vantagem para nossos políticos em atendê-las.

A verdade é que, mesmo depois de dividido e conquistado, o Império Romano ainda oferece uma inspiração clara para o sistema político brasileiro atual: enquanto a massa estiver alegre, então está tudo bem. Quando a massa se revolta e sai às ruas, está na hora de mudar a receita do pão e melhorar a qualidade do espetáculo.