sexta-feira, 20 de junho de 2014

E quem respeita a Constituição?



“Ninguém respeita a Constituição, Mas todos acreditam no futuro da nação.” Assim fala a letra da música Que País é Esse?, da banda Legião Urbana, composta em 1978. O verso me ocorre agora porque na semana passada, foi comemorado o aniversário de 25 anos da Constituição Federal Brasileira, conhecida como Constituição Cidadã. Considerada um marco da redemocratização brasileira, a Constituição foi a oitava Constituição Brasileira e a sétima Constituição da República.
Porém, a CF/88 foi a primeira a trazer, em seu bojo, instruções sobre praticamente todos os aspectos da sociedade brasileira, desde os direitos e garantias mais fundamentais até a organização e funcionalidade dos tribunais superiores.
Por comparação, a CF/88 é considerada uma das mais extensas do mundo, com 250 artigos, 74 Emendas Constitucionais, mais um adendo, chamado Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com 95 artigos, cujo objetivo era regulamentar, temporariamente, a legislação até que fossem editadas leis ordinárias sobre esses assuntos, ou a própria CF/88 fosse alterada, o que estava previsto para acontecer cinco anos após a promulgação da Constituição.
Apenas para ilustrar, a Constituição Americana, escrita logo após a independência dos Estados Unidos, em 1787, tem 7 artigos e 27 emendas.
Entretanto, o que mais chama a atenção na CF/88são os direitos assegurados ao cidadão. Em sua maioria, os direitos estão dispostos no art. 5º (direitos e garantias individuais) e 7º (direitos sociais). Originada no final da ditadura militar, a CF/88 é muito voltada para garantir ao cidadão os direitos que lhe foram negados pelo regime ditatorial.
Nos artigos citados, que por sinal fazem parte de um rol de artigos que jamais poderão ser alterados, as chamadas cláusulas pétreas, estabelecem desde direitos básicos como saúde, educação e segurança, até questões mais processuais do direito, como a individualização e a forma de cumprimento de penas condenatórias.
Dessa forma, é consenso que a CF/88 é muito mais do que apenas uma legitimação do Estado Brasileiro ou um conjunto de regras aleatórias para definição de Estado e Nação. A CF/88é, acima de tudo, uma carta de direitos do cidadão brasileiro, cujo objetivo principal é proteger-nos da opressão e da tirania.
Porém, apesar de ser, reconhecidamente, uma Constituição defensora do cidadão, é importante que frisemos duas questões. A primeira é: Quanto da Constituição Federal está sendo realmente cumprido? Quais os direitos ali previstos estão sendo respeitados?
A resposta à essas perguntas acaba por ser simples: quase nada! Direitos simples como educação, saúde e segurança acabam por desaparecer no emaranhado dos interesses políticos, da corrupção e dos jogos de interesse. Alguns exemplos nos mostram isso: o acordo para o chamado orçamento impositivo, pelo qual foi aprovado que as emendas ao orçamento feitas por deputados, as verbas que os deputados federais destinam para suas regiões, agora não poderá mais ser vetado pela Presidenta.
O Governo tentou fazer com que, pelo menos 30% desses valores fossem destinados à educação, mas quem disse que os deputados aceitaram?! Agora, cada deputado conta com cerca de 10 milhões de reais por ano para aplicarem onde bem entenderem.
Mais que isso, essa semana o comitê da FIFA para a Copa do Mundo esteve em Cuiabá, acompanhando o andamento das obras. É assustador saber o quanto está sendo gasto com obras para receber míseros três jogos da Copa do Mundo, enquanto o Governo do Estado não é capaz de atender as reivindicações dos professores, categoria que por sinal ainda estão em greve.
Outra questão a ser debatida sobre a CF/88 é a relação entre o contexto em que ela foi escrita e a atual conjuntura social brasileira.
Vinte e cinco anos atrás, o Brasil saía de uma ditadura militar de vinte anos. O então Presidente Tancredo Neves, ao que consta nos anais da história, mesmo gravemente doente, recusou-se à ser internado temendo que sua internação pudesse desencadear um novo golpe de estado por parte dos militares. A simples exposição de ideias contrárias ao regime militar era motivo para prisões com trabalhos forçados, tortura e assassinatos.
Claramente, a realidade social brasileira necessitava de uma Constituição Federal que eminentemente protegesse tanto o cidadão quanto o estado democrático de direito. Uma vez ultrapassado o processo de redemocratização do Brasil, seria sensato uma revisão da lei constitucional, conforme foi previsto pelo Presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Entretanto, passados vinte e cinco anos, pouca coisa realmente mudou. A ditadura acabou, mas esperada reforma política jamais aconteceu. O sistema presidencial e o voto secreto e universal são uma realidade, o temor de um golpe militar praticamente não existe. Mesmo assim, a CF/88 permanece inalterada em sua essência.
Diferente de 1994, quando foi realizada a revisão constitucional, dessa vez o motivo de não haver alterações é puramente pelo comodismo e pela falta de vontade dos nossos gestores em sair da sua zona de conforto e melhorar o país.
Enquanto isso, a Constituição Cidadã, junto com a maioria dos cidadãos, fica cada vez mais jogada à mercê dos interesses e das vontades de uns poucos. Afinal de contas, que país é esse?

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