sexta-feira, 20 de junho de 2014

Dias Normais



Originalmente publicado no Jornal “O Diário”, Edição nº 1.772, em 20/09/2013.

“A violência é tão fascinante e nossos dias são tão normais”, assim cantou Renato Russo, na música Baader-Meinhof Blues, composta em 1980. Mais de trinta anos depois, a música, que fala da banalização da violência e de como a sociedade já não se choca mais com isso, ainda me parece bastante atual, afinal nos últimos meses temos visto histórias cada vez mais delirantes sobre crimes cometidos país afora.

A mais recente aconteceu em Curitiba: um ladrão vestiu-se de padre e, com a desculpa de abençoar as casas, fez um limpa, levando dinheiro, celulares e jóias, enquanto os fiéis donos das casas, normalmente pessoas idosas, rezavam na sala.
Junte isto aos estranhos casos de mortes de famílias inteiras, algumas tão surpreendentes que a explicação oficial parece tirada de um livro de Edgar Allan Poe, como o caso da família Pesseguini,em que acusam um menino de 14 anos de ter matado toda sua família de depois ter se suicidado.
Cada vez mais nossa sociedade tem ficado à mercê da violência e da bandidagem. E de quem é a culpa? Muitos responderão: “é da polícia, que não faz seu trabalho direito!” ou ainda “é do Estado que não nos protege!”
Muito fácil apontar o dedo e indicar culpados. Mas é um pouco mais difícil entendermos a medida de cada culpado e qual é a nossa própria parcela de culpa na crescente onda de violência que assola o país.
E não estou falando de culpa por não tomar cuidados para a segurança ou não colocar adesivos de família no carro para sequestradores não saberem quantos filhos a gente tem, como tanto apregoa Rodrigo Pimentel, comentarista de segurança da Rede Globo. Estou falando é da responsabilidade de educar os filhos, de ensiná-los a respeitar o próximo e a ter educação.
Hoje em dia, com os chamados “compromissos da vida moderna”, é muito fácil deixar uma criança nas mãos de uma babá ou na escola, achando que eles vão ensinar tudo que uma criança precisa. Porém a babá apenas toma conta para que as crianças não cometam nada errado longe dos olhos dos pais, ou mesmo cumpram e façam suas tarefas, quanto a escola, seu papel é ensinar, educar, transmitir conhecimento básico de matérias curriculares e com a função de equalizar as oportunidades, nos tornar pessoas críticas, transformadoras, conscientes, criadoras e democráticas. Contudo, Ledo engano acreditar que é só isso que as crianças precisam. Elas necessitam de exemplos! E as crianças, pasmem, aprendem as coisas com os pais mesmo, com seus exemplos.
Assim, quando o pai estaciona o carro numa vaga reservada para idoso, o filho aprende a mesma coisa. E um ato que parece simples leva-o muito mais além, o faz acreditar que um idoso não merece respeito. Um filho que vê o pai jogando lixo na rua “para garantir o emprego do gari!” é o mesmo que destrói o patrimônio público, “porque não é de ninguém!”
Fato curioso é que nos tempos de antigamente,(o que as vezes nos parece ser há muito tempo mesmo), quando os pais ainda arrumavam tempo para educar pessoalmente seus filhos, havia menos violência pelas ruas. Pessoas desonestas e bandidas, nem sempre, mas em geral, são filhas de pais relapsos, não apenas de um estado omisso. Claro que não podemos generalizar, pois ainda existem pais cuidadosos e amorosos que sabem impor limites aos seus filhos, mostrando que isso é um ato de amor.
É claro que os pais não são os únicos responsáveis por tudo que acontece. A legislação também não ajuda. Nem a aplicação das leis.
Algumas leis tiveram boa intenção ao serem criadas, mas sua execução torna-se falha, protegendo a impunidade e a bandidagem justamente por, ao tentar defender um inocente, acabar por defender o culpado também. Exemplo disso é o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Outras leis até são corretas, mas por falta de estrutura do estado, acabam por não serem aplicadas, como a Lei de Execuções Penais. Todo mundo fica pasmo quando se fala que qualquer bandido, depois de cumprido um sexto da pena, pode ser posto em liberdade. Ou seja, se o bandido for condenado à 12 anos, em dois ele já pode ser libertado.
Mas para quem conhece bem a lei, sabe que o correto seria que, depois de atingido o tempo de progressão de pena, o preso, que estaria em regime fechado, enclausurado 24 horas por dia, ganharia a possibilidade de ir para uma colônia penal, onde poderia sair de sua cela durante o dia, para trabalhar ou estudar, mas sem deixar a cadeia.
Entretanto, por conta das falhas do estado, não existem colônias penais em quantidade suficiente no Brasil. E o que é feito dos presos? São postos na rua, sem preparo para voltarem à vida em sociedade, mais bandidos do que entraram, porque a cadeia se torna um inferno fazendo-o a ter mais raiva da sociedade.
No final, fica todo mundo apontando o dedo e mostrando culpados, sem fazer nada para mudar o mundo. E a sociedade prefere ficar sentada no sofá, assistindo novelas e Big Brother Brasil ao invés de educar seus filhos e tentar fazer algo de útil.
Afinal de contas, “As grades do condomínio São prá trazer proteção Mas também trazem a dúvida Se é você que tá nessa prisão”!*
N.A.: Trecho da música “Minha Alma”, do grupo O Rappa.
 

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