sábado, 6 de março de 2010

Várias Variáveis

Originalmente publicado no site Olhar Direto, no dia 06/03/2010
http://www.olhardireto.com.br/artigos/exibir.asp?artigo=Varias_Variaveis&id=1448
 
Existem, basicamente, duas formas de se transportar um livro paras as telas: a adaptação, na qual o diretor tenta recriar o livro no filme, e a versão, onde o diretor pega o tronco principal da história e o transporta para um novo cenário. Pelo menos, é assim que eu vejo a coisa.
A adaptação tem a vantagem de ser mais palatável aos fãs do livro. Quer dizer, é sempre meio frustrante você saber como a historia se desenrola e quando vai ao cinema não nada daquilo que você esta esperando. O problema é que adaptar um livro para o cinema requer sensibilidade na hora de cortar as cenas e de mudar o roteiro. Até porque, dependendo do livro, se ele for adaptado fielmente, o filme vai ter a duração de uns três dias. Alguns diretores tiveram essa sensibilidade, sabendo o que poderiam tirar do filme, sem provocar a ira dos fãs do livro ou sem macular a história.
Peter Jackson, diretor da trilogia Senhor dos Anéis é um exemplo clássico. Soube dar ênfase nas passagens em que a descrição narrativa do livro não conseguiu chamar tanta atenção e fez cortes que são quase irrisórios se você pensar na historia como um todo.
Alguns dirão, não sem certa razão que fica fácil pra Jackson ter feito isso, afinal contava com um orçamento milionário e pode fazer não um, mas três filmes. Para responder, cito outro diretor que teve a mesma habilidade em adaptar um livro para as telas: Marc Forster, diretor de O Caçador de Pipas. Com um orçamento bem mais modesto que o de Senhor dos Anéis e sem a possibilidade de estender seu filme por uma trilogia, Foster capta as mais sutis e sublimes cenas que há no livro, transportando-as para o filme, transformando este numa adaptação fiel e emocionante.
Por outro lado, a versão conta com a vantagem de ser mais maleável e de dar mais liberdade ao diretor, ensejando uma maior gama de possibilidades. É o caso de Percy Jackson e o Ladrão de Raios. baseado no primeiro volume da série Percy Jackson e os Olimpianos, de Rick Riordan, o filme revisita a história de uma perspectiva diferente, usando o livro apenas como base.
Talvez por causa da experiência dos dois primeiros filmes de Harry Potter, que na minha opinião foram só passáveis (o restante chega a ser horrível mesmo!) o diretor Chris Columbus resolveu não arriscar e tentar adaptar completamente o livro, coisa que seria impossível mesmo.
Assim, tomando algumas liberdades tanto com a história de Riordan quanto com a mitologia grega, o diretor redesenhou a história de tal forma que os fãs do livro vão ter dificuldades em achar ruim, e aqueles que apenas assistiram o filme possam dificilmente vão achar maçante ou desencantador.
Apesar de haver no livro cenas que poderiam ser adaptadas para a telona e que fariam a ação do livro ser ainda mais interessante, o filme não perde em aventura para o livro.
Fazer uma versão de um livro é sempre um risco. Risco maior ainda é entregar os papéis principais do filme para três atores praticamente desconhecidos do grande público como Logan Lerman, que fez o personagem título, Brandon T. Jackson, que fez o fiel companheiro de Percy, Grover e Alexandra Daddario, a amiga inteligente e ocasionalmente o par romântico de Percy, Annabeth Chase.
Por isso, o diretor acertou em pôr, para balancear esse time relativamente inexperiente, atores de peso como Pierce Brosnan (da série 007), Uma Thurman (KillBill) e Sean Bean (Senhor dos Anéis), além de grandes atores, em papeis secundários, como Catherine Keener (O Virgem de 41 Anos) e Joe Pantoliano (Os Bad Boys & Matrix). Sem esquecer, claro, de Rosario Dawson como a mais gata Perséfone de toda a história. Dessa forma, esses atores deram peso e maturidade à um elenco de outra forma bastante novo, formado por adolescentes.
Entretanto, seja por estarem em tão boa companhia, seja por terem mais maturidade do que aparentam, esse time de novatos não deixou a desejar. Com diálogos rápidos e bem humorados e uma interpretação praticamente livre de falhas ou de canastrice, Percy Jackson e sua turma mostraram que vieram pra ficar e fazer sucesso nos cinemas de todo o mundo.
Dois comentários entretanto tem de ser feitos: primeiro, a forma como foi construído o Hades, o mundo inferior na mitologia grega, o fez parecer muito com o inferno católico. Quem conhece um pouco de mitologia sabe que não é bem assim. Literalmente, o inferno não é tão feio quanto pintam.
Segundo, definitivamente, faltaram ganchos para a continuação da história. Só para lembrar, Percy Jackson e os Olimpianos é uma série em cinco volumes. No filme entretanto, não parece haver muitas deixas para o que vai acontecer no desenrolar da história, salvo pequenas coisas mal concluídas.
Talvez isso se deva à uma falta de confiança do próprio diretor na sua obra, ou a falta de confiança do estúdio no sucesso da película. Seja como for, Columbus vai ter alguns problemas para conseguir fazer a seqüência. Se bem que com a maestria com que conduziu o primeiro (um fato que eu consideraria impossível depois de Harry Potter e a Câmara Secreta) ele parece estar à altura da tarefa.

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